A convivência em condomínios pode gerar diversas questões, principalmente no que diz respeito ao uso das áreas comuns. É comum que alguns condôminos utilizem determinados espaços, como corredores, garagens ou jardins, de maneira exclusiva por longos períodos, sem que os demais se oponham. Porém, essa situação levanta uma dúvida importante: o uso prolongado de uma área comum pode resultar em algum tipo de direito adquirido por parte do morador?
Para muitos condôminos e síndicos, entender os limites legais e as possíveis implicações desse uso exclusivo é essencial para garantir a harmonia no condomínio e evitar conflitos futuros. Se você é condômino ou síndico, este artigo irá abordar as nuances legais dessa questão e fornecer orientações sobre como lidar com situações em que áreas comuns são utilizadas de forma exclusiva por um morador.
Além de explorar a possibilidade de direito adquirido, também discutiremos conceitos como supressio e surrectio, que podem influenciar o julgamento em casos de uso prolongado de áreas comuns. Esses princípios jurídicos podem ser decisivos para compreender se o uso de uma área comum por um único condômino ao longo do tempo gera direitos sobre ela. Vamos analisar essas questões com base na legislação e em entendimentos recentes da jurisprudência.
1. O QUE SÃO ÁREAS COMUNS E PRIVATIVAS NO CONDOMÍNIO?
Para uma boa convivência e gestão eficiente do condomínio, é fundamental compreender a distinção entre áreas privativas e comuns.
As áreas privativas são de uso exclusivo dos proprietários e que não é acessível aos demais condôminos. Exemplos incluem o interior dos apartamentos, salas comerciais e algumas vagas de garagem específicas, quando atribuídas a uma unidade. Nessas áreas, o condômino tem o direito de fazer uso sem precisar da permissão dos demais.
Já as áreas comuns pertencem a todos os condôminos, devendo ser usadas de forma compartilhada. Exemplos clássicos de áreas comuns incluem o hall de entrada, corredores, playgrounds, piscinas, garagens coletivas, e até mesmo áreas de lazer, como salões de festas e churrasqueiras.
2. UM CONDÔMINO PODE USAR UMA ÁREA COMUM DE FORMA EXCLUSIVA?
A princípio, não, um condômino não pode usar uma área comum de forma exclusiva, a menos que tenha uma autorização formal. As áreas comuns, como corredores, garagens e áreas de lazer, são de uso compartilhado por todos os moradores. No entanto, em algumas situações, um condômino pode, por conta própria, fechar uma parte dessas áreas para uso pessoal, como utilizar o corredor lateral como área privativa ou ocupar repetidamente a mesma vaga de garagem.
Se isso ocorrer, o condômino precisará obter autorização dos demais, normalmente através de assembleia condominial ou conforme as regras da convenção do condomínio. A ausência de autorização pode gerar conflitos, e outros condôminos ou a administração do condomínio têm o direito de contestar esse uso exclusivo.
Se um morador fechar uma área comum, por exemplo, como parte do corredor para criar um espaço de depósito, ele estaria utilizando o espaço de forma irregular, a não ser que a convenção do condomínio ou uma decisão assemblear permitisse essa utilização.
Portanto, o uso exclusivo de uma área comum deve ser sempre decidido coletivamente, respeitando as regras estabelecidas no condomínio.
3. O USO PROLONGADO DE UMA ÁREA COMUM GERA DIREITO ADQUIRIDO?
Essa é uma das questões mais comuns entre condôminos e síndicos: se um morador usa uma área comum por muitos anos sem oposição, ele pode adquirir algum direito sobre ela? A resposta depende de diversos fatores.
Em situações específicas, os tribunais já reconheceram o direito de posse exclusiva de áreas comuns, mas para isso o condômino deve demonstrar que:
- Usou a área de forma contínua e sem interrupções;
- A posse foi mansa e pacífica, ou seja, não houve contestação por parte dos demais condôminos ou da administração;
- A posse foi exclusiva e por tempo suficiente, conforme exigido pela lei.
Esses requisitos são essenciais para que o condômino possa, em casos extremos, solicitar o reconhecimento de usucapião sobre a área comum, o que transformaria o uso exclusivo em um direito real de propriedade. Isso significa que, embora raro, o uso prolongado de uma área comum pode, em alguns casos, gerar direito adquirido, tornando-a uma área privativa de fato.
Como um exemplo, podemos citar se um condômino utiliza uma vaga de garagem de forma exclusiva por mais de 20 anos, sem que ninguém questione, ele pode tentar alegar que adquiriu o direito sobre essa vaga por meio de usucapião, especialmente se essa área não for essencial ao condomínio como um todo. No entanto, é importante lembrar que cada caso é avaliado de forma individual pelos tribunais, levando em conta o contexto e a boa-fé das partes envolvidas.
4. O QUE SÃO SUPRESSIO E SURRECTIO?
Os termos supressio e surrectio são conceitos jurídicos vinculados ao princípio da boa-fé objetiva e são usados para explicar situações onde o uso prolongado de uma área comum pode alterar direitos no condomínio. Esses institutos ajudam a compreender por que, em determinados casos, um morador pode continuar a utilizar uma área comum de maneira exclusiva, mesmo sem autorização formal, devido à omissão dos demais condôminos ou da administração.
A supressio ocorre quando o condomínio ou outros condôminos, por um longo período de tempo, não se opõem ao uso exclusivo de uma área comum por um condômino. Essa inércia cria uma expectativa de que o uso está sendo aceito tacitamente, de modo que o direito de contestar essa utilização se perde. Em outras palavras, a supressio pode ser entendida como a “supressão” do direito de questionar o uso exclusivo, já que o comportamento omissivo do condomínio ao longo do tempo leva a uma aceitação implícita.
Imagine que um morador, por exemplo, utilize o espaço debaixo da escada de forma exclusiva para armazenar suas bicicletas por 15 anos, e nenhum condômino ou o síndico contesta esse uso. Nesse cenário, a omissão pode ser interpretada como aceitação tácita, o que dificulta uma eventual contestação posterior, configurando a supressio.
Por outro lado, a surrectio refere-se ao surgimento de um novo direito em decorrência de uma situação prolongada. Quando um condômino utiliza uma área comum de maneira contínua e pacífica por muito tempo, a continuidade desse uso pode “criar” um direito de continuar utilizando o espaço. Nesse caso, o condômino adquire a expectativa legítima de que o uso da área comum pode se transformar em um direito adquirido, mesmo que não tenha havido uma autorização formal para o uso exclusivo.
Se o condomínio, por exemplo, permitir que um morador utilize uma área comum para plantar um jardim por muitos anos, sem questionar, o morador pode desenvolver o direito de continuar usando a área, baseado na expectativa legítima gerada por sua longa utilização, caracterizando a surrectio.
Esses conceitos estão profundamente ligados à boa-fé objetiva, que é fundamental nas relações condominiais. Tanto a supressio quanto a surrectio se baseiam na ideia de que, com o passar do tempo e a falta de oposição, os direitos e deveres podem ser modificados tacitamente. Em certos casos, esses princípios podem justificar a continuidade do uso exclusivo de uma área comum, mesmo sem uma autorização expressa.
5. COMO SÍNDICOS E CONDÔMINOS DEVEM LIDAR COM ESSA SITUAÇÃO?
Quando um síndico percebe que um morador está utilizando uma área comum de forma exclusiva, é essencial agir com cautela e de maneira preventiva. A primeira medida deve ser consultar a convenção do condomínio e, caso necessário, convocar uma assembleia para discutir a situação de forma aberta e transparente. O uso exclusivo de qualquer área comum só pode ser validado mediante a autorização expressa de todos os condôminos, respeitando as regras estabelecidas na convenção ou aprovadas em assembleia.
Contudo, questões como essas podem gerar conflitos e dúvidas legais, o que reforça a necessidade de uma assessoria jurídica especializada. Um advogado com experiência em direito condominial pode ajudar a evitar decisões precipitadas e garantir que as medidas tomadas estejam em conformidade com a legislação vigente, evitando disputas futuras. O apoio jurídico é fundamental para interpretar a convenção do condomínio e esclarecer pontos sensíveis, como a aplicação de usucapião, supressio e surrectio.
Para os condôminos, também é recomendável buscar a regularização de qualquer uso exclusivo por meio de acordos formais ou ajustamentos perante a assembleia. Isso não apenas previne problemas, mas também protege seus interesses e evita questionamentos futuros. Contar com uma assessoria jurídica qualificada nesse processo garante que todas as etapas sejam seguras, transparentes e juridicamente corretas.
6. CONCLUSÃO
O uso das áreas comuns é um direito compartilhado por todos os condôminos, mas, em alguns casos, a falta de oposição pode criar a impressão de que um morador adquiriu o direito de uso exclusivo. Para evitar conflitos e complicações legais, síndicos e condôminos devem estar sempre atentos a essas situações, buscando regularizar o uso o mais rápido possível. Em questões mais complexas, uma assessoria jurídica especializada é essencial para orientar soluções eficazes e prevenir disputas judiciais, garantindo a harmonia e segurança jurídica no condomínio.
_________
ELIZA MOURA NAVARRO DE NOVAES
Presidente da Comissão Estadual de Direito Imobiliário da OAB/MG
Presidente da Associação Mineira dos Advogados do Direito Imobiliário – AMADI
Advogada especializada na área imobiliária e condominial
e-mail: eliza@navarronovaesadvocacia.com.br – Tel. (31) 3567-7409